Quando alguém encontra um antigo certificado de ações do Banco do Estado de Santa Catarina (BESC), a primeira reação instintiva é olhar para o valor nominal impresso no papel. Frequentemente, encontram-se cifras em Cruzados, Cruzados Novos ou Cruzeiros. Ao fazerem uma conversão mental rápida e lembrarem dos inúmeros cortes de zeros que a economia brasileira sofreu nas décadas de 80 e 90, a conclusão precipitada é: “Isso não vale nem o papel em que está impresso”.
Se você pensou isso, pare agora. Essa lógica está completamente errada.
O valor de uma ação antiga não reside na moeda impressa na época de sua emissão, mas sim na fração do patrimônio da empresa que ela representa hoje. E, no caso do BESC, essa empresa hoje se chama Banco do Brasil S.A., uma das instituições financeiras mais sólidas e lucrativas do país.
Este artigo não é sobre burocracia ou leis; é sobre matemática financeira. Vamos abrir a “caixa preta” da avaliação desses ativos e explicar, detalhadamente, como um papel antigo se transforma em um montante financeiro expressivo no presente.
O Erro do “Valor de Face”: Por que Ignorar o que Está Escrito no Papel?
Imagine que você comprou um terreno em 1980 por 100 mil Cruzeiros. Na escritura, esse é o valor. Se você for vender esse terreno hoje, você vai cobrar a conversão de 100 mil Cruzeiros para Reais (o que daria centavos) ou você vai cobrar o valor de mercado atual do metro quadrado daquela região?
A resposta é óbvia: o valor de mercado atual.
Com ações, funciona da mesma forma. O certificado do BESC é a “escritura” do seu terreno dentro do banco. O que importa não é o preço que foi pago ou o valor nominal estipulado na época, mas sim a quantidade de ações que você possui. É a quantidade que determina o tamanho da sua fatia no bolo.
O Pilar 1: O Fator de Conversão (A Troca de Ações)
O primeiro passo matemático para descobrir o valor do seu ativo é a conversão. O BESC deixou de existir como entidade independente em 2008. Naquele momento, através de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE), foi definido que os acionistas do BESC passariam a ser acionistas do Banco do Brasil.
Não foi uma troca de “1 para 1”. Foi estabelecido um Fator de Conversão (Relação de Troca). Este fator foi calculado com base no valor patrimonial de ambas as instituições na época.
A matemática básica é:
-
Verifica-se quantas ações do BESC você possui (escrito no certificado).
-
Aplica-se a relação de troca estabelecida na incorporação.
-
O resultado é a quantidade de ações do Banco do Brasil (BBAS3) a que você tem direito originalmente.
Porém, se você parar o cálculo aqui (apenas multiplicando essa quantidade pela cotação da bolsa hoje), você estará perdendo mais da metade do valor real do seu patrimônio. É aqui que entra o “tesouro oculto”.
O Pilar 2: O Tesouro dos “Proventos Represados”
De 2008 até hoje, passaram-se mais de 15 anos. Nesse período, o Banco do Brasil foi uma empresa extremamente lucrativa. E o que empresas lucrativas fazem? Elas distribuem lucros aos seus acionistas.
Como os seus certificados ficaram “parados” na gaveta e não foram convertidos na época, você não recebeu esses pagamentos. Mas o dinheiro não sumiu. Ele ficou provisionado, aguardando o dono aparecer.
Ao regularizar suas ações hoje, você tem o direito retroativo a receber tudo o que um acionista do Banco do Brasil recebeu nos últimos anos. Isso inclui três componentes vitais:
Dividendos e Juros Sobre Capital Próprio (JCP)
O Banco do Brasil é historicamente um dos maiores pagadores de dividendos da bolsa brasileira. Trimestre após trimestre, ele pagou bilhões aos seus sócios. O cálculo do valor das suas ações BESC inclui a soma de cada centavo de dividendo e JCP declarado pelo BB desde a data da incorporação até o dia de hoje. Em muitos casos, o valor acumulado desses pagamentos supera o valor da própria ação principal.
2. Bonificações em Ações
Em determinados momentos da história, o Banco do Brasil distribuiu “ações grátis” aos seus acionistas (bonificações) ou realizou desdobramentos (splits). Isso significa que a quantidade de ações que você calculou no “Pilar 1” (lá em 2008) aumentou. Se você tinha direito a 1.000 ações, hoje você pode ter direito a muito mais, simplesmente devido a esses eventos societários. O cálculo correto deve atualizar a quantidade de ações antes de multiplicar pela cotação atual.
O Pilar 3: A Correção Monetária (O Poder dos Juros)
Aqui a matemática se torna ainda mais favorável ao detentor do certificado.
O dinheiro dos dividendos que o banco deveria ter pago a você em 2009, 2010, 2015, etc., não pode ser pago hoje pelo valor nominal da época. Ele precisa ser corrigido para manter o poder de compra e compensar o atraso.
Juridicamente, a atualização desses valores é feita, na maioria das vezes, pela Taxa SELIC (a taxa básica de juros da economia). Considerando o histórico de juros altos do Brasil na última década, essa correção faz o valor dos proventos acumulados crescer exponencialmente.
É a aplicação dos “juros sobre juros” trabalhando a seu favor durante mais de uma década e meia de espera.
A Fórmula Final: O Valor de Laudo vs. O Valor de Mercado
Depois de entender os pilares, chegamos à distinção mais importante que você precisa aprender para não ser enganado. Existem dois “preços” para a sua ação:
1. O Valor de Laudo (Valor Jurídico/Econômico)
É o resultado da soma de tudo o que explicamos acima:
(Qtd. Ações BBAS3 Atualizadas x Cotação Hoje) + (Dividendos Acumulados Corrigidos pela SELIC)
Este é o valor “cheio”. É o valor que você busca quando entra com um processo de conversão direta no banco ou quando usa as ações para quitar uma dívida pelo valor integral. É o teto do seu patrimônio.
2. O Valor de Mercado (Valor de Liquidez)
É o valor que alguém paga para comprar o certificado da sua mão hoje, à vista. Este valor sempre será menor que o Valor de Laudo. Por que? Porque quem compra (uma empresa ou fundo de investimentos) está assumindo:
-
O Risco: De o banco contestar, de haver problemas na documentação, de o processo demorar.
-
O Custo do Tempo: O dinheiro que eles te pagam hoje poderia estar rendendo juros no banco.
-
A Margem de Lucro: Ninguém compra um problema para trocar dinheiro; compram para ter lucro futuro.
Essa diferença entre o Valor de Laudo e o preço que te oferecem em dinheiro vivo chama-se Deságio.
Como Não Ser Enganado na Hora da Avaliação
Sabendo dessa matemática, aqui estão as regras de ouro para quando você decidir avaliar seus papéis:
-
Exija a Memória de Cálculo: Se alguém lhe fizer uma proposta de compra, pergunte: “Como você chegou a esse número?”. Se a resposta for vaga, desconfie. Uma empresa séria mostrará o cálculo base.
-
Cuidado com “Calculadoras Online”: Não confie em simuladores automáticos simples. O cálculo do BESC exige análise de datas específicas de emissão e tipos de ações (Ordinárias ou Preferenciais).
-
Entenda o Deságio: Se o seu Laudo aponta que você tem R$ 100.000,00 em direitos, não espere vender por R$ 100.000,00. Mas também não aceite R$ 10.000,00. Entender a matemática te ajuda a negociar um deságio justo (geralmente entre 30% a 50%, dependendo da complexidade do caso).
Conclusão: Matemática é Poder
As Ações do BESC são ativos complexos, mas extremamente valiosos. O que transforma aquele “papel velho” em um cheque de alto valor não é mágica, é a aplicação rigorosa dos seus direitos societários acumulados ao longo do tempo.
Agora que você entende a estrutura do cálculo — Conversão + Dividendos + Bonificações + Correção SELIC —, você está armado com o conhecimento necessário para tomar a melhor decisão, seja ela converter pacientemente no banco para obter o valor total ou vender com consciência para obter liquidez imediata.
Não negocie seu patrimônio no escuro. Faça as contas.