Possuir uma dívida com uma grande instituição financeira como o Banco do Brasil pode gerar uma enorme pressão. Seja você uma pessoa física com um financiamento antigo, um empresário com capital de giro em atraso ou um produtor rural com notas de crédito, a cobrança de um passivo bancário é um processo desgastante.
O que a maioria das pessoas não sabe é que a solução para essa dívida pode estar guardada numa pasta de documentos antigos.
As ações do BESC (Banco do Estado de Santa Catarina), aqueles certificados que muitos herdaram ou guardaram como lembrança, são mais do que papel. Eles representam um direito de crédito legítimo. E, através de um mecanismo jurídico sofisticado, esse crédito pode ser usado para extinguir sua dívida com o Banco do Brasil.
Nos nossos artigos anteriores, estabelecemos o que são essas ações e por que elas ainda têm valor. Agora, vamos ao “como”. Este é o guia detalhado e prático de como o processo de quitação de dívidas funciona, passo a passo.
A Lógica Jurídica: Por Que Isso é Possível?
Para entender o “como”, você precisa primeiro entender o “porquê”. A estratégia não é uma “brecha” ou um “truque”; é a aplicação direta do Direito Civil e Empresarial.
O mecanismo central chama-se Compensação, previsto no Artigo 368 do Código Civil Brasileiro. A compensação ocorre quando duas pessoas são, ao mesmo tempo, credora e devedora uma da outra, e suas dívidas se extinguem, até onde se compensarem.
Mas como você e o Banco do Brasil (BB) são credores e devedores um do outro?
- O Banco é seu Credor: Quando você tem uma dívida (empréstimo, financiamento, etc.), o Banco do Brasil é o seu credor. Ele tem o direito de receber esse valor de você.
- Você é Credor do Banco: Quando o BB incorporou o BESC em 2008, ele assumiu todos os ativos e, crucialmente, todos os passivos da instituição catarinense. Um desses passivos é a dívida que o BESC tinha com seus acionistas. Ao possuir certificados de ações do BESC, você é um credor legítimo do Banco do Brasil.
O processo de quitação nada mais é do que um “encontro de contas” forçado judicialmente. Você diz ao tribunal: “Eu devo X ao Banco do Brasil, mas o Banco do Brasil me deve Y (representado por estas ações). Portanto, uma dívida paga a outra.”
Quais Dívidas Podem ser Quitadas com Ações do BESC?
Esta é a segunda pergunta mais importante. A resposta é ampla: em tese, qualquer dívida líquida, vencida e exigível que você tenha com o Banco do Brasil S.A.
A estratégia é particularmente eficaz para dívidas que já estão em um estágio avançado de cobrança, especialmente as dívidas já judicializadas (em processo de execução).
Vamos detalhar os tipos de passivos que podem ser alvo desta operação:
- Dívidas de Pessoa Física (PF):
- Contratos de empréstimo pessoal vencidos.
- Dívidas de cheque especial (Saldo devedor em conta).
- Contratos de financiamento de veículos ou imóveis (especialmente se já estiverem em fase de execução/busca e apreensão).
- Dívidas de cartão de crédito (quando já executadas judicialmente).
- Dívidas de Pessoa Jurídica (PJ):
- Contratos de capital de giro.
- Saldos devedores em conta garantida.
- Cédulas de Crédito Bancário (CCBs) não pagas.
- Dívidas de “vendor” ou “compror”.
- Dívidas Rurais (Um Caso Especial e de Grande Sucesso):
- Cédulas de Produto Rural (CPR).
- Notas de Crédito Rural.
- Financiamentos de safra (custeio) ou de maquinário (investimento) que não foram pagos e estão sendo executados pelo banco.
É vital entender: esta não é uma solução para quem está com as parcelas em dia. É uma ferramenta de defesa e de engenharia patrimonial para quem já está em inadimplência e busca uma forma de liquidar o passivo de forma definitiva.
O Guia Definitivo: O Processo Passo a Passo
Aqui detalhamos a jornada, desde a descoberta da dívida até a sua extinção. É um processo que exige paciência e, como veremos, assessoria especializada.
Passo 1: Diagnóstico Preciso da Dívida
Não se pode negociar o que não se conhece. O primeiro passo é um levantamento completo do seu passivo com o Banco do Brasil.
- Qual o valor exato? Você precisa do valor atualizado da dívida, com todos os juros e multas contratuais. Se a dívida for judicial, seu advogado solicitará a “memória de cálculo” no processo.
- Qual o status da dívida? Ela está em cobrança amigável (via telefone/escritório de cobrança) ou já existe um Processo de Execução contra você? O número desse processo é fundamental.
Passo 2: Avaliação e Quantificação do Seu Crédito (Suas Ações)
Agora, olhamos para o outro lado da balança. Quanto “vale” o seu crédito contra o banco?
- Você já possui ações? Se sim, elas precisam ser avaliadas. Um especialista fará o cálculo do valor de conversão original, somará todos os dividendos, juros sobre capital próprio (JCP) e bonificações não pagos desde 2008, e aplicará a correção monetária (geralmente pela taxa SELIC).
- Você não possui ações? Aqui entra a “engenharia jurídica”. Você não precisa ser o dono original dos papéis. É possível adquirir esses créditos (certificados) no mercado secundário com o propósito específico de quitar sua dívida.
Em ambos os casos, o resultado final deste passo é um Laudo Técnico de Avaliação Financeira. Este documento, assinado por um perito, é o que diz ao juiz: “Os certificados de Fulano de Tal representam um crédito de R$ X contra o Banco do Brasil.”
Passo 3: A Estratégia Jurídica (A Batalha Processual)
Este é o coração da operação. É aqui que a assessoria jurídica se torna insubstituível. O gerente do banco não pode resolver isso.
O caminho quase sempre será judicial.
- Se a Dívida JÁ ESTÁ em Execução Judicial: Este é o cenário ideal. Seu advogado irá peticionar dentro do processo de execução movido pelo banco. Ele apresentará:
- Os certificados de ações do BESC.
- O Laudo Técnico de Avaliação (Passo 2).
- A tese jurídica da Compensação (explicada no início).
Ele pedirá ao juiz que, em vez de penhorar seus bens (dinheiro, casa, carro), o crédito representado pelas ações seja usado para “pagar” a dívida que o banco está cobrando.
- Se a Dívida NÃO ESTÁ em Execução: Se a cobrança ainda é amigável, seu advogado pode tomar a iniciativa e entrar com uma “Ação de Compensação”, forçando o encontro de contas judicialmente.
Passo 4: A Contestação do Banco (O que Esperar)
Não seja ingênuo: o Banco do Brasil irá contestar. A equipe jurídica do banco é paga para isso. As alegações mais comuns do banco serão:
- “As ações não são líquidas” (ou seja, não são dinheiro vivo).
- “O laudo de avaliação está incorreto”.
- “A compensação não se aplica neste caso”.
É aqui que a experiência do seu advogado faz a diferença. Ele deverá refutar cada um desses pontos, mostrando ao juiz que as ações são um direito líquido (basta convertê-las), que o laudo seguiu a metodologia correta e que a lei de sucessão empresarial e o Código Civil são claros.
Passo 5: A Sentença (A Quitação)
Após a troca de argumentos (petição inicial, contestação do banco, réplica), o juiz dará a sentença. Se a tese for bem construída e provada, o juiz reconhecerá o direito à compensação e declarará a dívida extinta.
O que era uma execução de R$ 500.000, por exemplo, é extinta. O processo de execução do banco contra você é encerrado.
O Benefício Real: Pagando Dívidas com Deságio
Por que todo esse trabalho? Porque esta operação permite o que o mercado chama de pagamento com deságio (desconto).
Lembre-se do Passo 2: se você não possui ações, você pode adquiri-las.
O mercado secundário desses títulos (onde especialistas negociam certificados) opera com deságio. Ou seja, você pode conseguir adquirir, por exemplo, R$ 500.000 em créditos (valor do laudo) pagando por eles um valor significativamente menor.
Na prática, você pode conseguir quitar uma dívida de R$ 500.000 com um desembolso real muito inferior. É uma das formas mais inteligentes e financeiramente eficientes de resolver passivos bancários com o Banco do Brasil.
A Conclusão: Um Caminho Viável, Mas que Exige Especialistas
A quitação de dívidas com o Banco do Brasil usando ações do BESC não é uma teoria; é uma realidade jurídica e processual. É um caminho viável que já beneficiou inúmeras pessoas e empresas.
No entanto, este guia passo a passo também deixa claro que não é um procedimento simples de “balcão de agência”. É uma operação jurídica e financeira complexa que exige:
- Correta Avaliação dos Ativos: Um laudo fraco destrói o caso.
- Experiência Jurídica Específica: Um advogado que não conhece o tema “BESC” terá dificuldade em enfrentar os argumentos do corpo jurídico do banco.
- Acesso ao Mercado: Se você precisar adquirir os créditos, é preciso saber onde e como fazer isso com segurança.
Se você ou sua empresa se encontram na difícil posição de devedores do Banco do Brasil, não encare seus certificados do BESC (ou a possibilidade de adquiri-los) como uma curiosidade. Encare-os como a ferramenta mais poderosa à sua disposição.
Disclaimer: Este artigo tem caráter puramente informativo e educacional. A aplicação da tese de compensação de dívidas com ativos BESC depende de uma análise profunda e individual de cada caso. A contratação de assessoria jurídica e financeira especializada é indispensável para o sucesso da operação.