O processo de lidar com a perda de um ente querido é, por si só, um desafio. Em meio ao luto, os herdeiros são confrontados com uma série de responsabilidades burocráticas, sendo a principal delas o inventário — o levantamento e a partilha de todos os bens deixados.
É muito comum que, ao organizar documentos antigos, gavetas e cofres, a família se depare com um item inesperado: certificados de ações do BESC (Banco do Estado de Santa Catarina).
A primeira reação é a dúvida: “Isso tem algum valor? É só papel velho?”. Como já estabelecemos em nossos guias anteriores, a resposta é um sonoro sim, esses papéis têm valor. Eles são a prova de um direito de crédito contra o Banco do Brasil, o sucessor do BESC.
Ignorar esses certificados é, literalmente, deixar dinheiro na mesa. Mas como regularizar esse patrimônio? Eles não podem simplesmente ser divididos “de palavra” entre os herdeiros. Eles precisam ser formalmente incluídos no inventário.
Este artigo é um guia prático e direto para herdeiros, inventariantes e até mesmo advogados de família, detalhando o “como fazer” para que esse patrimônio adormecido seja corretamente avaliado, partilhado e, por fim, convertido em valor real para a família.
H2: O Ponto de Partida: O Direito dos Herdeiros
Quando uma pessoa falece, todos os seus direitos e obrigações são imediatamente transferidos aos seus herdeiros. Isso é o que o Direito chama de “Princípio da Saisine”.
Isso significa que o direito de converter as ações do BESC, de receber os dividendos acumulados e de usar esses papéis para quitar dívidas não “morre” com o titular. Ele passa a ser dos herdeiros, na exata proporção da herança de cada um.
Para que esse direito seja exercido, no entanto, o Banco do Brasil (que é o devedor) exige um documento legal que comprove quem são os novos titulares legais desses papéis. Esse documento é o resultado final do processo de inventário.
H2: O Que Fazer ao Encontrar os Certificados? O Passo a Passo
Você encontrou os papéis. Não tente ir ao banco com eles. O gerente não poderá fazer nada por você sem a documentação correta. A jornada correta é esta:
Passo 1: Comunique Imediatamente ao Advogado do Inventário
O inventariante (a pessoa responsável por administrar o espólio) e o advogado que está conduzindo o processo precisam ser informados da existência desses certificados imediatamente.
Eles são um bem como qualquer outro — um carro, um imóvel, ou um saldo em poupança — e deverão ser listados no documento chamado “Primeiras Declarações”, que é a lista oficial de todo o patrimônio do falecido.
Passo 2: O Desafio da Avaliação (Quanto Vale para o Imposto?)
Aqui está o ponto mais crítico do processo. Para que os certificados sejam incluídos no inventário, eles precisam ter um valor monetário atribuído.
Por quê? Porque sobre o valor total da herança incide o ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação), o imposto estadual sobre heranças.
O erro mais comum é tentar usar o “valor de face” escrito no papel (um valor em Cruzeiros, Cruzados ou Reais antigos). Isso está completamente errado e não tem validade legal ou financeira.
O valor correto é o valor de mercado atualizado desses direitos. Esse valor é composto por:
- A quantidade de ações do Banco do Brasil (BBAS3) a que os certificados dão direito, conforme o fator de conversão da época.
- A soma de todos os dividendos, juros sobre capital próprio (JCP) e bonificações que essas ações geraram desde 2008 e não foram pagos, tudo devidamente corrigido pela taxa SELIC.
O banco não fornecerá essa avaliação de forma simples ou rápida. Por isso, a solução mais profissional e segura é contratar um especialista para emitir um Laudo Técnico de Avaliação Financeira.
Esse laudo é o documento que seu advogado anexará ao processo de inventário, dizendo ao juiz e à Receita Estadual: “Estes certificados do BESC valem, hoje, R$ XX.XXX,XX”. É sobre este valor que o imposto será calculado. Tentar “chutar” um valor pode resultar em pagamento de imposto a menor (gerando multa futura) ou a maior (gerando prejuízo).
Passo 3: A Inclusão Formal no Processo (Judicial ou Extrajudicial)
O inventário pode seguir dois caminhos:
- Inventário Extrajudicial (em Cartório): É o caminho mais rápido, barato e simples. Só é possível se todos os herdeiros forem maiores de idade, capazes e estiverem 100% de acordo com a partilha.
- Inventário Judicial (no Fórum): É obrigatório se houver menores de idade, herdeiros incapazes, testamento ou qualquer tipo de briga ou discordância entre os herdeiros.
Em ambos os casos, o procedimento é o mesmo: as ações do BESC, acompanhadas do seu Laudo de Avaliação, serão listadas junto com os demais bens.
Passo 4: A Decisão da Partilha (Como Dividir?)
Na hora da partilha, os herdeiros têm duas opções:
- Partilhar em Frações: O documento final (Escritura ou Formal de Partilha) pode dizer que os direitos sobre as ações serão divididos, por exemplo, “50% para o Herdeiro A e 50% para o Herdeiro B”.
- Adjudicação a um Único Herdeiro: Os herdeiros podem combinar que as ações ficarão 100% com o “Herdeiro A”, e ele “compensará” os demais com sua parte em outro bem (ex: ele fica com as ações e abre mão de sua parte no carro da família).
H2: A Reta Final: O Documento que Libera o Valor
Ao final do inventário (seja ele judicial ou extrajudicial), o advogado receberá o documento que “destrava” o patrimônio.
- No Inventário Judicial: Chama-se Formal de Partilha. É uma ordem do juiz detalhando exatamente o que ficou para cada herdeiro.
- No Inventário Extrajudicial: Chama-se Escritura Pública de Inventário e Partilha. Tem a mesma força legal do documento judicial.
Este é o documento que o Banco do Brasil estava esperando.
De posse do Formal de Partilha (ou da Escritura), os herdeiros (ou o advogado) finalmente irão ao Banco do Brasil. O banco analisará o documento e fará a transferência da titularidade das ações (e dos valores acumulados) para os novos donos, conforme determinado pelo juiz ou pelo tabelião.
H2: Um Caminho Mais Rápido: O Alvará Judicial
E se as ações do BESC forem o único bem deixado pelo falecido? Ou se os valores forem considerados “pequenos” (residuais)?
Nesses casos, a lei permite um caminho muito mais simples e rápido que o inventário completo: o Alvará Judicial.
O alvará é um pedido direto ao juiz para autorizar o levantamento de um valor específico. O advogado entra com uma petição simples, comprovando a morte, a condição de herdeiros e a existência dos certificados (com seu laudo de avaliação).
Se o juiz concordar que não há outros bens a partilhar, ele expede uma simples ordem (o alvará) autorizando o inventariante ou um herdeiro específico a ir ao banco e resgatar 100% do valor em nome do espólio, para que depois ele mesmo faça a divisão entre os familiares.
Este caminho economiza meses (ou anos) de burocracia.
H2: Erros Comuns que as Famílias Devem Evitar
- Ignorar os Certificados: “Dá muito trabalho, vamos deixar isso para lá”. Este é o erro mais caro. É abrir mão de um patrimônio legítimo.
- Dividir os Papéis Fisicamente: “Você fica com esse certificado azul, eu fico com o verde”. Isso não tem valor legal. A divisão é dos direitos, não dos papéis físicos.
- Tentar Resolver Sozinho no Banco: Ir ao banco sem inventário ou alvará é perda de tempo. O gerente está legalmente impedido de transferir a titularidade sem uma ordem judicial ou escritura pública.
- Tentar Vender o “Papel” para Terceiros: Tentar vender o certificado físico antes de regularizar a titularidade é arriscado. O comprador pagará um valor irrisório, pois ele é quem terá que arcar com todo o custo do processo de inventário (ou alvará) para regularizar o que comprou.
Conclusão: Honrando o Legado e Garantindo o Futuro
Os certificados de ações do BESC encontrados em meio aos pertences de um ente querido são parte do legado que ele construiu. Tratá-los com a devida seriedade não é apenas uma obrigação burocrática; é uma forma de honrar esse patrimônio.
O processo exige formalidade — seja um inventário completo ou um simples alvará —, mas é um caminho direto e factível. Com a orientação correta de um advogado de confiança e o suporte de um especialista na avaliação desses ativos, a família pode transformar o que parecia ser apenas uma pilha de papéis antigos em um valor real, garantindo que o esforço do passado se converta em benefícios para o presente.